O conceito de seção de choque (cross-section, em inglês) teve uma origem clássica, provavelmente com os experimentos realizados em 1909, H. Geiger e E. Marsden observaram que partículas provenientes de decaimento radioativo, ao atingirem um alvo constituído por uma folha fina de certo material, eram espalhadas, como resultado da colisão, a ângulos maiores que 90°. A surpresa, em relação aos modelos teóricos existentes na época foi que, ao invés de sofrerem pequenos desvios, muitas partículas apresentaram grandes desvios.
Esse resultado motivou Rutherford a propor, por volta de 1911, um modelo atômico conhecido como modelo planetário, com um centro muito pequeno, onde se concentrava toda a carga positiva e praticamente toda a massa do átomo, em torno do qual orbitavam os elétrons.
Desse modo Rutherford propôs que algumas dessas partículas passavam através do átomo no seu caminho e entravam no campo elétrico intenso da vizinhança do núcleo e seriam defletidas da sua trajetória linear. Com essa hipótese, Rutherford obteve uma expressão detalhada para o espalhamento, que mais tarde foi verificada em diversos experimentos subseqüentes.
Figura 1 – O espalhamento de Rutherford (neste experimento eram bombardeadas partículas α núcleo de hélio em uma fina folha de ouro) define a seção de choque diferencial para o espalhamento elástico por interação coulombiana repulsiva, chamado de espalhamento de Rutherford.
Credito: Figura disponível em
http://sun.menloschool.org/~dspence/chemistry/atomic/ruth_expt.html
acesso agosto de 2015
Podemos generalizar o conceito de espalhamento considerando duas partículas (conforme figura 2), uma partícula projetada da fonte A através de um feixe em direção as partículas B presentes no alvo. Com o feixe de partículas A colimado e monoenergético produzimos um feixe de partículas com uma energia bem definida, assim podemos desprezar a interação entras as (próprias) partículas A que partem da fonte.
Se o alvo contém um grande número de partículas B (centros espalhadores), cujas distâncias são maiores do que o comprimento de onda das partículas A, podemos considerar que cada partícula B atua como um centro espalhador independente. Neste caso podemos olhar o espalhamento de uma partícula A por uma partícula B, e desse modo observar um determinado número de eventos (contagem das partículas A espalhadas) no detector.
Figura 2 – Espalhamento das partículas A desviadas pelas partículas B do alvo
Crédito: Figura disponível em:
www.if.ufrgs.br/gfpae/sem/2005/EAFBasso_Sem_01.ppt
Acesso em agosto de 2015
Nossa compreensão sobre conceitos físicos que envolvem a seção de choque são baseados em resultados experimentais, que são mensuráveis, as interações no nível nuclear ou subnuclear são importantes apenas se formos capazes de extrair algumas informações a respeito dos constituintes fundamentais da matéria, essa informação pode ser extraída analisando os processos de espalhamento.
Em um experimento típico, o objeto a ser estudado (o alvo), é bombardeado com um feixe de partículas com energia bem definida (lentos ou rápidos), estes objetos podem ser os elétrons, prótons, nêutrons, núcleos, átomos, íons positivos, íons negativos, fótons, agregados de átomos, etc. Quando um experimento de espalhamento é realizado podemos estar interessados em analisar as partículas projetadas e alvos depois de uma colisão ou mesmo analisar como estas partículas se modificam nesta colisão
De uma maneira simples podemos representar o processo da seguinte maneira:
Espalhamento elástico,
No espalhamento elástico as partículas a e b sofrem a colisão sem qualquer mudança em suas estruturas internas. Neste tipo de espalhamento as partículas permanecem em seus estados fundamentais e absorvem apenas momento de recuo alterando sua energia cinética e pode ser representada da seguinte maneira:
Espalhamento inelástico:
Nesse tipo de espalhamento, as partículas a e b sofrem uma colisão que proporciona uma mudança em seus estados quânticos, este estado também se caracteriza pela produção de um estado excitado que decai em seu estado fundamental e pode ser representado da seguinte maneira:
Figura 4 - Espalhamento inelástico, decaimento de um estado excitado provocado pela colisão no estado fundamental
Produção inelástica de novas partículas
Neste caso a colisão entre as partículas a e b produz uma mudança na estrutura das partículas após a colisão, assim as partículas reagem para formar uma ou mais partículas diferentes das iniciais e pode ser representado da seguinte maneira:
Figura 5 – Produção de novas partículas
O conceito de seção de choque é definido como a probabilidade de interação entre uma partícula que é projetada em direção a uma partícula alvo, os resultados das interações destas colisões reativas, em que as partículas colidentes possam reagir durante sua interação, podem produzir novas partículas, com propriedades diferentes das incidentes.
Figura 6 – Seção de choque é basicamente uma grandeza proporcional à probabilidade de um átomo sofrer uma mudança, ou podemos dizer que a seção de choque é o fluxo de partículas espalhadas com certa propriedade dividido pela densidade de fluxo de partículas incidentes.
Crédito da Figura -do Laboratório de Física Corpuscular
aula 1- 2009 - Instituto de Física – UFRJ
Prof. Marcelo Sant’Anna
Disponível em www.if.ufrj.br/~mms/lab4/Lab4_aula3_2009_1. ppt
O conceito de seção de choque é muito importante, pois ele vincula os acontecimentos entre o mundo real da experiência e o mundo abstrato dos modelos teóricos idealizados. Por essa razão em experimentos de física de altas energias, especificamos as interações das partículas elementares quantitativamente em termos de seções de choque.
Um exemplo destas interações pode ser obtido nas experiências realizadas nos colisores de partículas, no LHC, por exemplo, onde dois feixes de prótons são acelerados em sentidos contrários em um anel de 27 km de perímetro, o resultado destas colisões é estudado com base nas seções de choque previstas pelos modelos teóricos e assim podemos verificar a validade destes modelos.
Em um contexto clássico podemos imaginar que a seção de choque representa uma “área efetiva”(1) de um alvo que se apresenta para uma partícula projetada. Se uma interação é altamente provável, é como se a partícula alvo fosse grande em comparação a toda a área alvo, enquanto que, se a interação é muito pequena, é como se o alvo fosse pequeno.
A ocorrência da seção de choque de uma interação não depende necessariamente da área geométrica de uma partícula. É possível que duas partículas tenham a mesma área geométrica (por vezes conhecido como a secção de choque geométrica) e ainda ter secção de choque na interação muito diferente ou a probabilidade de interagir com uma partícula projétil.
Em resumo podemos dizer que:
Há diversas possibilidades de interação entre partículas (colisão elástica, colisão inelástica, fusão, fissão, desintegração, etc.);
Cada interação tem uma probabilidade de ocorrência;
A probabilidade depende, em geral, da energia e das características de cada partícula envolvida na interação;
A probabilidade específica para uma interação é chamada Seção de Choque;
O resultado efetivo das interações é naturalmente relacionado com a Seção de Choque.
A seção de choque pode ser apresentas de uma maneira bem simples: a seção de choque geométrica. Esta descrição, em muitos casos, pode ser uma boa aproximação. Mas a probabilidade de interação entre duas partículas é diferente, na pratica percebemos que esta interação possui uma grande dependência com a energia associada à interação, desse modo a “área efetiva” da seção de choque precisa depender fortemente da forma, do alcance e do potencial associado a interação.
Figura 7 – Seção de choque geométrica
Crédito da Figura Física de particulas a altas energias
Uma análise introdutória Eduardo André Flach Basso,
Disponível em www.if.ufrgs/gfpae/sem/2005/EAFBasso_Sem_01. ppt
(1) o termo “área efetiva” é uma aproximação clássica, que não representa realmente o conceito da seção de choque, no domínio das partículas elementares, onde sua descrição é dada pela mecânica quântica, a seção de choque representa a probabilidade da ocorrência determinados resultados de uma colisão, que por sua vez pode ser elástica, inelástica, diferencial e outras.
Uma maneira mais complexa de apresentar a seção de choque é definir a seção de choque diferencial, sua definição formal representa o número de partículas espalhadas elasticamente no ângulo de espalhamento θ (entre θ e θ + dθ) por um único núcleo espalhador, por fluxo de partículas incidentes, na unidade de tempo dt e por ângulo sólido dΩ.
Figura 8 – Representação da seção de choque diferencial
Crédito: Figura disponível em
http://wanda.fiu.edu/teaching/courses/Modern_lab_manual/Rutherford.html
(*) Para aqueles que não possuem habilidade em calculo diferencial e integral a notação d significa um acréscimo infinitamente pequeno na quantidade estudada, por exemplo, dt representa um acréscimo infinitamente o pequeno no tempo.